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‘Tese do século’: Entenda o julgamento sobre ICMS na base do PIS/Cofins

Nos últimos anos, a controvérsia sobre a exclusão do ICMS da base de cálculo da contribuição para o Programa de Integração Social (PIS) e da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) ocupou páginas e páginas de jornais e publicações especializadas, culminando no julgamento do Recurso Extraordinário nº 574.706/PR, submetido ao rito da repercussão geral, pelo Supremo Tribunal Federal (STF). A infindável discussão parecia terminar com o julgamento pelo Supremo, em 13 de maio de 2021, dos embargos de declaração da Fazenda Nacional, que finalmente decidiu a “tese do século”. Contudo, tema de tamanha repercussão e detalhamento técnico desencadeou uma série de outras discussões.

A tese do século. Entenda!

O PIS e a Cofins são contribuições sociais que incidem sobre a receita ou o faturamento das empresas, nos termos do art. 195, I, “b” da Constituição Federal, podendo ser cobradas sob sua sistemática cumulativa, principalmente com base na Lei 9.718/1998, ou sob o seu regime não cumulativo, conforme as Leis 10.637/2002 (para o PIS não cumulativo) e 10.833/2003 (para a Cofins não cumulativa).

O ICMS, por sua vez, incide na circulação de mercadorias e em determinadas prestações de serviços, observando o princípio da não cumulatividade, segundo o qual se compensa o que for devido em cada operação com o montante cobrado nas anteriores, pelo mesmo ou outro estado ou pelo Distrito Federal, conforme o disposto no art. 155, II, § 2º, I, da Constituição Federal.

Até o julgamento da “tese do século” pelo STF, o fisco considerava que as vendas de mercadorias/produtos/serviços incluíam o ICMS para fins de cômputo do faturamento ou da receita bruta tributáveis pelo PIS/Cofins.

Discordando disso, a partir do argumento de que o ICMS não compõe a receita ou o faturamento da empresa por ter destinação certa a terceiro, qual seja, os fiscos estaduais ou distrital, os contribuintes levaram o tema ao judiciário.

A tese não teve sucesso no Superior Tribunal de Justiça (STJ), que decidiu pela legalidade da cobrança em 10 de agosto de 2016, no julgamento do Recurso Especial nº 1.144.469/RS, submetido ao rito dos recursos repetitivos.

Não obstante, ao julgar o RE nº 574.706/PR em 15 de março de 2017, o STF concluiu pela inconstitucionalidade da inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS e da Cofins, fixando a tese de que “o ICMS não compõe a base de cálculo para fins de incidência do PIS e da Cofins”.

A Corte entendeu, em brevíssima síntese, que o ICMS representa uma receita transitória nos cofres das empresas que, ao final, repassam estes valores para o estado arrecadador. Logo, a parcela do ICMS não poderia ser compreendida como faturamento ou receita bruta e, portanto, não poderia se sujeitar à incidência do PIS e da Cofins. Ou seja, segundo o entendimento adotado pelo STF, o ICMS é receita do estado, e não dos contribuintes.

A modulação dos efeitos do julgamento do RE nº 574.706/PR

Em face da decisão de mérito do RE nº 574.706/PR, a Fazenda Nacional opôs embargos de declaração pedindo:

  • a definição de que o ICMS a ser excluído da base de cálculo do PIS/Cofins deveria ser aquele efetivamente recolhido na operação ao invés daquele destacado na nota fiscal de venda pelo contribuinte;
  • a modulação dos efeitos do acórdão, com sua fixação prospectivamente, somente após o julgamento dos embargos.

Esses pontos só foram esclarecidos em 13 de maio de 2021, quando o STF, ao julgar os referidos embargos, concluiu que o ICMS a ser excluído da base de cálculo do PIS e da Cofins é todo aquele destacado na nota fiscal da operação de venda, e não apenas o que foi efetivamente recolhido.

O Supremo também definiu a modulação dos efeitos da decisão a partir de 15 de março de 2017, data em que foi julgada a tese principal, ressalvadas as ações judiciais e administrativas protocoladas até ali.

Na prática, isso significa que:

  1. para os contribuintes que já vinham discutindo a tese judicial ou administrativamente até 15 de março de 2017, eles teriam a possibilidade de deixar de recolher ou reaver o PIS/Cofins recolhido a maior desde datas anteriores, potencialmente considerando inclusive os cinco anos anteriores ao ajuizamento do pedido; e
  2. para os contribuintes em geral, que não tinham ajuizado as correspondentes ações até aquela data, eles não estariam mais obrigados a recolher o PIS/Cofins com a inclusão do ICMS, além de estarem autorizados a requerer a restituição dos valores pagos a maior, a partir de 15 de março de 2017.

Relativamente àqueles que não ajuizaram ações até 15 de março de 2017, a recuperação das contribuições desde então recolhidas a maior pode se dar administrativamente, mediante retificação da escrituração fiscal e apresentação de PER/DCOMP (Pedido Eletrônico de Restituição, Ressarcimento ou Reembolso e Declaração de Compensação), sem a necessidade de processos administrativos ou judiciais adicionais.

As teses filhotes

Os fundamentos utilizados pelo STF no julgamento do RE nº 574.706/PR impulsionaram outras teses, novas ou já em andamento no Judiciário. A partir da definição de que o faturamento e a receita não compreendem todas as entradas nos cofres dos contribuintes, mas apenas aquela parcela que se incorpora definitivamente ao patrimônio da empresa, outras verbas transitórias igualmente não deveriam ser enquadradas no conceito de faturamento ou receita.

Diante disso, os contribuintes passaram a defender as chamadas “teses filhotes”, como a da exclusão do ISS da base de cálculo do PIS/Cofins, da exclusão do PIS/Cofins de sua própria base, da exclusão do ISS e do ICMS das bases de cálculo da CPRB (Contribuição Previdenciária sobre a Receita Bruta), do IRPJ (Imposto de Renda da Pessoa Jurídica) e da CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido), no caso do IRPJ e da CSLL sob seus regimes do lucro presumido, todas já submetidas ao Judiciário.

Alguns desses casos já foram analisados pelo próprio Supremo, tendo a Corte decidido que a inclusão do ISS e do ICMS na base de cálculo da CPRB é constitucional. Para tanto, fundamentou a decisão no fato de que a CPRB – para a maioria, um benefício fiscal – possui regime de apuração diferente do PIS/Cofins.

A mais emblemática das teses filhotes trata da exclusão do ISS da base de cálculo do PIS/Cofins. Para alguns tributaristas, esta seria aquela que mais se assemelha ao caso da “tese do século”, uma vez que a principal diferença entre o ISS e o ICMS seria o seu ente tributante: o primeiro sendo cobrado pelos municípios, enquanto o segundo pelos estados. O STF já deu início ao julgamento, mas o presidente da Corte, Luiz Fux, fez um pedido de destaque, de modo que o julgamento foi interrompido.

O Supremo também tratou as teses da exclusão do ICMS-ST (substituição tributária) e da CPRB das bases de cálculo do PIS/Cofins como infraconstitucionais, isto é, fora do seu âmbito de competência. Nestes casos, eventual palavra final deveria ser do Superior Tribunal de Justiça.

No STJ, os contribuintes tampouco têm obtido relevantes sucessos. Esta Corte já se posicionou de forma contrária à exclusão do ICMS-ST e da CPRB da base de cálculo do PIS/Cofins. Adicionalmente, submeteu a discussão da inclusão do ICMS na base de cálculo do IRPJ e da CSLL à sistemática dos recursos repetitivos, permanecendo ainda sem julgamento.

A ausência de uniformidade nos julgamentos das cortes superiores quanto aos tributos que incidem sobre a receita e o faturamento causa preocupação e insegurança jurídica. O fisco, por sua vez, tenta mitigar os impactos fiscais de um possível “efeito-cascata” decorrente do julgamento da “tese do século”.

O futuro, portanto, segue imprevisível em diversos aspectos.

A tentativa do fisco de levar o mesmo racional para os créditos

Após a decisão do STF de que o ICMS a ser excluído da base de cálculo do PIS/Cofins é aquele destacado na nota fiscal de saída, a discussão em torno da “tese do século” ganhou um novo capítulo.

A Receita Federal pareceu reunir esforços para aplicar o mesmo racional às notas fiscais de entrada utilizadas pelos contribuintes para a tomada de créditos de PIS/Cofins. Pelo menos era essa a ideia sugerida pelo fisco em um parecer da Coordenação Geral de Tributação (COSIT) enviado à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN). O documento, apesar de ser interno, foi juntado em um processo em tramitação no Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3).

Em resumo, a tomada de crédito faz parte da apuração das contribuições sociais para as empresas que se submetem ao regime da não cumulatividade (quando se compensa o tributo pago anteriormente com o valor das operações seguintes).

No caso do PIS/Cofins, ela consiste basicamente no abatimento dos créditos decorrentes de alguns custos, despesas e gastos da empresa, listados no art. 3º das Leis 10.637/2002 e 10.833/2003, com o valor das contribuições apurado em função das receitas auferidas.

Fazendo uso de aplicação analógica ao entendimento do STF no julgamento do RE nº 574.706/PR, a Receita sinalizou entender que, se o ICMS deve ser excluído das notas fiscais de saída para o cálculo do PIS/Cofins, o mesmo deveria ser feito em relação ao ICMS relativo às aquisições geradoras de créditos de PIS/Cofins para a empresa contribuinte das contribuições sob sua sistemática não cumulativa. Isso diminuiria o montante de créditos a serem abatidos e, por conseguinte, elevaria o PIS/Cofins devido.

No entanto, a PGFN, ao analisar a questão, concluiu que não é possível, somente com base no julgamento do RE nº 574.706/PR, proceder com a exclusão do ICMS do cálculo dos créditos de PIS/Cofins. A Procuradoria entendeu que são casos diferentes, que guardam particularidades, fato que impediria a aplicação analógica.

O posicionamento da PGFN foi um alívio para tributaristas e contribuintes, que temiam mais um episódio de insegurança jurídica, uma vez que a cobrança em questão não encontrava respaldo legal e tinha evidente propósito arrecadatório.

A tributação do indébito tributário e de sua correção

O último tema a ser destacado se refere a um desdobramento contábil e tributário da “tese do século”.

Com o reconhecimento do direito a excluir o ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins, contribuintes passaram a ter o direito de recuperar tributos já recolhidos, devidamente corrigidos por juros de mora (taxa Selic).

No entendimento da Receita Federal, a depender do caso, tanto os tributos a serem recuperados (indébito tributário) como sua correção são tributáveis pelo IRPJ e pela CSLL.

No caso da receita decorrente do tributo recuperado (indébito tributário), o debate com o fisco terá relação com o momento de seu reconhecimento e tributação pelo IRPJ e pela CSLL. Entendemos que, em linha com o Pronunciamento Técnico CPC nº 25, tais receitas apenas deveriam ser reconhecidas quando o ganho correspondente for “praticamente certo”, havendo espaço de discussão sobre quando isso ocorreria.

Um passo adicional seria identificar quando tais receitas devem ser admitidas como rendas tributáveis para fins de IRPJ e CSLL, uma vez que, a nosso ver, nem todas as receitas contabilmente reconhecidas preencherão imediatamente os requisitos necessários para sua caracterização com renda tributável nos termos dos aplicáveis dispositivos constitucionais e legais – principalmente o Código Tributário Nacional.

Sobre a correção do indébito, a discussão da incidência do IRPJ e da CSLL sobre a taxa Selic chegou até o STF. A Corte submeteu a tese à repercussão geral e julgou o seu mérito no último dia 24 de setembro de 2021, declarando inconstitucional sua cobrança. Consideraram que os valores percebidos com a taxa Selic não representam acréscimo patrimonial tributável, já que se prestam a corrigir monetariamente os valores anteriormente pagos e a reparar o atraso na devolução do indébito tributário.

Em 7 de fevereiro de 2022, a Fazenda Nacional opôs embargos de declaração requerendo, entre outros pontos, a modulação dos efeitos do julgado para que seja aplicado somente para processos posteriores ao julgamento – sem ressalvar casos de ações já ajuizadas, ou, se a Corte fizer ressalva, pedindo que se considere apenas as ações ajuizadas até a inclusão em pauta do processo, em 1º de setembro de 2021 ou, no mínimo, somente as ações ajuizadas antes do início do julgamento, em 17 de setembro de 2021.

Colocando de lado eventual modulação, para as empresas com direito ao decidido e que já tiverem recolhido o IRPJ e CSLL sobre a correção de tributos devolvidos, tais tributos representarão mais um valor a ser recuperado, cujo reconhecimento e tratamento tributário dependerá sobretudo da definição do momento no qual devem ser reconhecidos enquanto receita – pela contabilidade – e renda tributável – pela legislação tributária.

Em relação ao momento do seu reconhecimento contábil, há grande polêmica sobre o critério corresponder ao “praticamente certo” do Pronunciamento Técnico CPC nº 25 ou então à “probabilidade” exigida do Pronunciamento Técnico CPC nº 32 (sendo considerado “provável” aquilo que tem mais chance de ocorrer do que de não ocorrer). O tema causou controvérsia e inúmeros debates entre contribuintes, tributaristas, contadores e auditores, especialmente depois de o Ibracon (Instituto dos Auditores Independentes do Brasil) publicar a Circular nº 09/2021 recomendando seu reconhecimento contábil imediato como regra geral e para os casos nos quais ações já haviam sido ajuizadas até 24 de setembro de 2021.

Conclusões

Abordamos de maneira bastante resumida o caso da inconstitucionalidade da inclusão do ICMS na base do PIS e da Cofins com suas repercussões, primárias e secundárias.

A tese em questão foi informalmente denominada de “tese do século”, diante dos valores bilionários envolvidos e dos possíveis desdobramentos jurídicos e econômicos dela decorrentes.

Os resultados secundários do julgamento já podem ser percebidos, seja através da falha tentativa do fisco de limitar o creditamento de PIS/Cofins, buscando aumentar a arrecadação e mitigar o impacto do RE nº 574.706/PR, bem como nas inúmeras “teses filhotes” que já inundam o Judiciário, com alguns desfechos desfavoráveis aos contribuintes, ao menos até o momento.

De um lado, busca-se o equilíbrio fiscal, do outro, a segurança jurídica. Em meio a tudo isso, navegamos num mar de incertezas, longe ainda de poder afirmar que os impactos práticos da “tese do século” finalmente se esgotaram.

 

Fonte:  jota.info

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