O ICMS e a nova controvérsia sobre a exigência do Difal: LC 190/2022
Com ensinamentos do tributarista Dr. Fernando Takeshi, o ICMS incidente nas operações ou prestações interestaduais com destino a consumidor final, até o advento da Emenda Constitucional nº 87, de 2015, era cobrado da seguinte forma:
1 – Quando destinadas ao consumidor final contribuinte do ICMS:
1.1 Pela unidade federada de origem, no valor correspondente à aplicação de alíquota interestadual; e
1.2 Pela unidade federada de destino, no valor correspondente à diferença de alíquotas interna da unidade de destino e interestadual – DIFAL
2 – Quando destinadas ao consumidor final não contribuinte do ICMS:
2.1 Integralmente pela unidade federada de origem, no valor correspondente à alíquota interna da unidade federada de origem.
Com a promulgação em 2015 da Emenda Constitucional nº 87, o ICMS incidente nas operações e prestações interestaduais destinadas a consumidor final, não contribuinte do ICMS, passou também a ser dividido entre as unidades federadas de origem e de destino, da forma como já se processava quando destinadas a consumidor final contribuinte do imposto.
Apesar de ser matéria reservada à regulação através lei complementar, a Emenda Constitucional nº 87, de 2015, foi implementada irresponsavelmente por meio do Convênio ICMS nº 93, de 2015, celebrado no âmbito Conselho Nacional de Política Fazendária – Confaz. O Supremo Tribunal Federal, em 24 de fevereiro de 2021, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5469 e do Recurso Extraordinário nº 1287019-DF (Tema 1093), estabeleceu que a cobrança do DIFAL, com base no referido Convênio nº 93, de 2015, sem a necessária edição de lei complementar era inconstitucional.
Nas mesmas decisões, com vistas a garantir a estabilidade das contas públicas, segurança jurídica aos jurisdicionados e tempo para que os entes federados articulassem a edição da necessária lei complementar, o Tribunal por meio da técnica de modulação de efeitos, autorizou a cobrança do DIFAL até o final do exercício financeiro de 2021, com exceção das operações e prestações realizadas pelas empresas optantes do Simples Nacional e dos contribuintes que possuíam ações judiciais sobre o tema em curso.
No dia 20 de dezembro de 2021, foi finalizado o processo legislativo da esperada lei complementar regulamentadora da EC nº 87, de 2015, com aprovação pelo Congresso Nacional da Lei Complementar nº 190, de 2022, que foi publicada no DOU – Diário Oficial da União somente em 5 de janeiro de 2022, dando ensejo à atual discussão sobre o início da produção dos seus efeitos, notadamente, em face do princípio de anterioridade anual.
Com fundamento na Lei Complementar nº 190, de 2022, o Confaz celebrou o Convênio ICMS 236, de 27 de dezembro de 2021, publicado em 6 de janeiro de 2022, dispondo sobre os procedimentos a serem observados pelos contribuintes em relação ao DIFAL, com vigência a partir de 1º de janeiro de 2022, e revogação expressa do Convênio ICMS nº 93, de 2015.
Curioso ressaltar que o Convênio ICMS 236 foi editado em 27 de dezembro de 2021, para regulamentar uma Lei Complementar naquela momento inexistente, a despeito de ter sido publicado no DOU somente em 6 de janeiro de 2022. São essas as expertises patrocinadas pelos Secretários Fazendários dos entes federados com o apoio ineficaz do CONFAZ do Ministério da Economia.
No Estado do Paraná, as alterações relativas ao DIFAL foram implementadas na Lei Estadual nº 11.580, de 1996, por meio da Lei Estadual nº 20.949, de 31 de dezembro de 2021, publicada na mesma data (data anterior ao da publicação da LC 190/2022). Essa Lei, conforme o seu artigo 9º, produzirá efeitos a partir do primeiro dia do exercício seguinte ao da sua publicação, observando o princípio da anterioridade nonagesimal, ou seja, a partir de 1º de abril de 2022. No Estado de São Paulo as alterações relativas ao DIFAL foram implementadas na Lei Estadual nº 6.374 de 1989, por meio da Lei Estadual nº 14.170 de 13 de dezembro de 2021, publicada em 14/12/2021. Esta Lei, conforme seu artigo 4º, produzirá efeitos a partir de 90 (noventa) dias a contar da data de sua publicação, respeitado os princípios da anterioridade anual e nonagesimal, ou seja a partir de 14 de março de 2022.
Pela literalidade do artigo 150, inciso III, alíneas “b” e “c” da Constituição Federal, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios cobrar tributos no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou, e, antes de decorridos noventa dias da data em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou.
Diante dos fatos, dentre outros, surgem os seguintes questionamentos: (i) considerando que a Lei Complementar nº 190, de 2022, foi publicada no dia 5 de janeiro de 2022, as unidades federadas podem cobrar o DIFAL no mesmo exercício financeiro de sua publicação? (ii) as alterações relativas ao DIFAL, veiculadas pela Lei 14.170 de 14 de dezembro de 2021 do Estado de São Paulo e pela Lei nº 20.949, de 31 de dezembro de 2021 do Estado do Paraná, podem produzir os seus efeitos a partir de 14 de março de 2022 e 1º de abril de 2022, respectivamente, considerando que a Lei Complementar que lhe dá sustentação foi sancionada e publicada somente em 5 de janeiro de 2022?
No entendimento do COMSEFAZ – Comitê Nacional dos Secretários de Fazendas dos Estados e do Distrito Federal, as alterações relativas ao DIFAL não preveem qualquer instituição ou aumento de tributo. O que antes de 2015 era recolhido apenas para uma unidade federada, continuará sendo recolhido no mesmo montante para unidades federadas de origem e destino.
A Lei Complementar, ainda segundo o COMSEFAZ, atende à decisão do STF de que consagrasse por texto de lei em sentido estrito (de tipologia complementar) a regulamentação da Emenda Constitucional nº 87, de 2015. Assim, as unidades federadas estariam dando continuidade inalterada às regras de cobrança já praticadas desde 2015. Por outro viés de interpretação, a mencionada declaração de inconstitucionalidade do DIFAL, por ausência de previsão em lei complementar, leva à conclusão de que se trata de instituição de nova base de tributação, o que conduz à necessidade de observação das anterioridades anual e nonagesimal (art. 150, III, “b” e “c” da CF) para tanto. Destarte, tendo em conta que a Lei Complementar nº 190, de 2022, foi publicada no exercício financeiro em curso, a exigência do DIFAL, nas operações e prestações interestaduais destinadas a consumidor final não contribuinte do imposto, poderia ocorrer somente a partir de 1º de janeiro de 2023.
O ICMS, pela sua natureza (incidência multifásica e não-cumulativa), é um imposto que comporta a transferência do respectivo encargo financeiro, sendo que a relação jurídico-tributária, em relação ao DIFAL, nas operações e prestações interestaduais destinadas ao consumidor final não contribuinte do ICMS, estabelece-se entre o remetente ou prestador serviços (contribuinte de direito) e o consumidor final (contribuinte de fato) que suportará o ônus financeiro de todo o encargo do ICMS. Esse é um dos fatores que deve ser ponderado pelas empresas, haja vista, no caso de restituição de valores pagos a título de DIFAL, a necessidade de comprovação de que assumiram o respectivo encargo ou, no caso de ter transferido ao consumidor final, obter autorização expressa deste para recebê-la (art. 166 do CTN).
Portanto, eventual questionamento da exigência imediata do DIFAL ou depois de decorrido a noventena ou anterioridade nonagesimal (art. 150, III, “c” da CF), cuja previsão está expressa no artigo 3º da Lei Complementar nº190, de 2022, deve ser analisado individualmente pelos contribuintes quanto à sua viabilidade. Um ponto importante a ser observado sobre o Convênio ICMS 236 do Confaz é o que dispôs o $1º da sua Cláusula Segunda, quanto à apuração da base de cálculo ser única, nas operações interestaduais com consumidores finais não contribuintes do ICMS, considerando que muitos estados federados de destino cobravam o DIFAL utilizando-se de cálculo por dentro, aumentando sobremaneira essas bases de cálculos, verbis:
Cláusula segunda – Nas operações e prestações de que trata este convênio, o contribuinte que as realizar deve:
I – se remetente da mercadoria ou do bem:
a) utilizar a alíquota interna prevista na unidade federada de destino para calcular o ICMS total devido na operação;
b) utilizar a alíquota interestadual prevista para a operação, para o cálculo do imposto devido à unidade federada de origem;
c) recolher, para a unidade federada de destino, o imposto correspondente à diferença entre o imposto calculado na forma da alínea “a” e o calculado na forma da alínea “b”;
II – se prestador de serviço:
a) utilizar a alíquota interna prevista na unidade federada de destino para calcular o ICMS total devido na prestação;
b) utilizar a alíquota interestadual prevista para a prestação, para o cálculo do imposto devido à unidade federada de origem;
c) recolher, para a unidade federada de destino, o imposto correspondente à diferença entre o imposto calculado na forma da alínea “a” e o calculado na forma da alínea “b”.
§ 1º A base de cálculo do imposto de que tratam os incisos I e II do “caput” é única e corresponde ao valor da operação ou o preço do serviço, observado o art. 13 da Lei Complementar nº 87, de 13 de setembro de 1996.
São essas as conclusões e interpretações da Fradema sobre o controvertido tema em questão.
Por: Francisco Arrighi – Fradema Consultores