O que mudou no conceito de “Insumos” para fins de créditos do PIS/COFINS: Julgamento do RE nº 1.221.170 – PR
Mais uma vez vem à tona no cenário tributário, como já vem ocorrendo ao longo dos anos, a discussão do que significaria a palavra “insumos” e, consequentemente, quais gastos de produção ou despesas podem ser considerados para efeitos de aproveitamento de créditos das contribuições PIS/COFINS.
Insumos: Sendo um termo abrangente, a matéria é sempre alvo de muitas discussões. Como o próprio relator do julgado expôs no seu voto, é uma “[…] palavrinha pessimamente traduzida da língua inglesa, enquanto o idioma português tem os termos ingrediente e componente são mais exatos, sonoros e bonitos […]”.
O tema ainda não é pacificado e existem divergências jurisprudenciais nas mais diversas instancias julgadoras. Aliás, divergências essas que foram manifestadas no voto de alguns ministros no julgamento do Recurso Especial ora citado.
Conforme comentarei no decorrer deste artigo, o julgamento do RE Nº 1.221.170 – PR evidenciou no voto da maioria dos ministros da primeira turma do STJ uma posição mais favorável ao contribuinte, considerando a aplicação do conceito de “insumos” de forma abrangente. Porém, conforme explanarei adiante, isso não se traduz, na prática, e no dia a dia das empresas, em mudanças radicais e de ganhos certos ou possíveis.
Julgamento do RE Nº 1.221.170 – PR
A empresa ANHAMBI ALIMENTOS LTDA recorreu contra acórdão do TRF da 4ª Região que entendeu que “o conceito de insumo, para fins de creditamento no regime não cumulativo das contribuições PIS e COFINS, abrange os elementos que se relacionam diretamente à atividade da empresa, mas com restrições”.
A Fazenda Nacional se manifestava também pela interpretação restritiva do conceito, alegando que insumos são bens e serviços que exerçam função direta sobre o produto ou serviço final. Sendo assim, há necessidade de aplicação efetiva do insumo no momento da etapa produtiva da qual advirá o produto ou serviço final, de modo que retirado o bem ou serviço, o produto ou serviço final deixaria de existir, ou não seria mais útil.
O Ministério Público Federal também se manifestou pelo não provimento do RE, alegando que não se admite interpretação extensiva da norma. Dispôs também que as Instruções Normativas SRF 247/02 e SRF 404/04 não restringem o conceito de insumo, mas explicitam o conceito previsto nas Leis 10.637/02 e 10.833/03.
A empresa recorrente se manifestava com posição diversa; posição essa que me parece, no meu modesto entendimento, o mais ideal. Deve-se atribuir à palavra insumo o seu sentido típico, dicionarial, adotado na economia, pois a legislação pertinente ao PIS e à COFINS não a define, e tampouco poderia a lei tributária alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado.
Mais do que isso, complementando o conceito do parágrafo anterior, a empresa citada entendia que insumo é cada um dos elementos, diretos e indiretos, necessários à fabricação de produtos e serviços, como matérias-primas, máquinas, equipamentos, capital, mão de obra, energia elétrica, combustíveis, água, manutenção, equipamentos de proteção, etc.
Assentou ainda que existe uma discriminação, diga-se, sem fundamentos, quando o legislador reconhece que os gastos com vale-transporte, vale-refeição e fardamento fornecido aos funcionários sejam insumos para as empresa de atividade nas áreas de limpeza, mas não para as empresas do ramo industrial.
Sendo assim, a empresa entendia que, em vias normais, os dispêndios utilizados em suas atividades operacionais como água, combustíveis e lubrificantes, materiais e exames laboratoriais, materiais de limpeza e equipamentos de proteção individual-EPI poderiam ser amplamente utilizáveis para desconto de creditos das contribuições PIS/COFINS.
Decisão por maioria
Por maioria os ministros da primeira turma do STJ concluíram que a definição restritiva da compreensão de insumo, proposta na IN 247/2002 e na IN 404/2004, ambas da SRF, efetivamente desrespeita o comando contido no art. 3°, II, da Lei 10.637/2002 e da Lei 10.833/2003.
Assentaram que o conceito de insumo deve ser aferido à luz dos critérios da essencialidade ou relevância, vale dizer, considerando-se a imprescindibilidade ou a importância de determinado item – bem ou serviço – para o desenvolvimento da atividade econômica desempenhada pelo contribuinte.
Mas o que pode ser considerado essencial ou relevante?
A “essencialidade” é um termo variado de “essencial” que significa algo que é muito importante, necessário, aquilo que não pode faltar. Já a “relevância” tem seu termo ligado a aquilo que é importante, que se sobressai. Ou seja, dentre duas hipóteses importantes, o mais relevante será aquele que se destaca; que mais se sobressai.
Observe que os termos utilizados são totalmente genéricos, e para sua utilização, no que se refere à classificação de produtos ou gastos, irá requerer que o sujeito “classificador” utilize algum grau de julgamento ou arbitramento na hora de decidir o que é essencial e relevante para sua operação.
Em um processo produtivo é muito difícil distinguir ou aplicar um julgamento de decisão dizendo que este ou aquele bem pode ou não ser essencial. Em termos práticos, se ali está, logo, é porque irá ter alguma utilização e que irá beneficiar a fabricação do bem ou serviço de alguma forma.
Como exemplo, cito as palavras do próprio ministro relator onde expressou:
se não se pode produzir um bolo doméstico sem os ovos, a farinha de trigo e o fermento, que são ingredientes – ou insumos – materiais e diretos, por que será que ocorrerá a alguém que conhece e compreende o processo de produção de um bolo afirmar que esse produto (o bolo) poderia ser elaborado sem o calor ou a energia do forno, do fogão à lenha ou a gás ou, quem sabe, de um forno elétrico? Seria possível produzir o bolo sem o insumo do calor do forno que o assa e o torna comestível e saboroso?
Outro ponto é que nem tudo que é essencial para uma determinada empresa será necessariamente para outra empresa. Como citou o relator em exemplo metafórico “a maquiagem das mulheres, por exemplo, não é essencial à maioria dos homens, mas algumas mulheres realmente não a podem dispensar – e não a dispensam – ou seja, lhes é realmente essencial e isso não poderia ser negado”.
Ainda sim, os termos “essencialidade” e “relevância” devem ser considerados conjuntamente com a imprescindibilidade ou a importância de determinado item, que também são termos considerados subjetivos. Dessa forma, apesar de todo esse imbróglio e na mudança dos termos aplicados, parece, a meu ver, que continuamos plenamente na seara da subjetividade quando nos deparamos com a palavra “insumos”.
Teses sobre o conceito de “insumos”
Nas instâncias julgadoras temos hoje praticamente três linhas de entendimento sobre a aplicabilidade do conceito de insumos:
1 – Aplicação restritiva do conceito, adotando como parâmetro a tributação baseada nos créditos físicos do IPI, isto é, a aquisição de bens que entrem em contato físico com o produto;
2 – Aplicação intermediaria do conceito, aquela que adota o preceito de examinar, caso a caso, se há emprego direto ou indireto no processo produtivo (“teste de subtração”), prestigiando a avaliação dos critérios da essencialidade e da pertinência;
3 – Aplicação ampliada do conceito, àquela adotada na maioria dos votos no julgamento do RE Nº 1.221.170 – PR, cuja premissa se baseia, ou assemelha-se, ao conceito de insumo aplicado na legislação do IRPJ.
Então o que muda?
Os termos utilizados na decisão dos ministros podem até ter trazido uma mudança semântica ou teórica sobre o assunto. Porém, na prática, considerando que a Receita Federal não conhece o funcionamento de todos os processos produtivos em específico, continuará sendo responsabilidade das empresas julgar o que seria um “insumo” no seu processo produtivo de acordo com seus critérios, visto a legislação e a jurisprudência não ter pacificado o assunto.
Logo, o que temos são mudanças semânticas, teóricas e, talvez, dogmáticas, mas com efeitos práticos quase que nulos. Para surgimento de mudanças práticas serão necessárias alterações profundas na legislação das referidas contribuições, o que talvez possa acontecer por meio de uma reforma. No cenário atual, uma reforma parece distante, apesar de pronunciamentos do governo a respeito dessa possibilidade estar iminente.
Como citado no próprio julgamento, a interpretação restritiva do conceito de insumos, para fim de creditamento relativo às contribuições PIS/COFINS, tem prevalecido entre as instancias julgadoras. Sendo assim, a decisão do RE Nº 1.221.170 – PR entra para o rol como mais um dos julgados que absorve o entendimento que deve ser utilizada a aplicação ampliada do conceito de insumos.
Mas isso não determina que as empresas possam aumentar sua lista de possibilidades de créditos da maneira que lhe convier, apesar de, pessoalmente, concordar com o entendimento do julgamento. Muito menos garante que, no futuro, caso venha discutir com a Fazenda Nacional, tenha possível ganho de causa.
A decisão final desse julgado foi um “pequeno” início de mudança de entendimento aos quais os contribuintes esperam que seja o ideal no futuro. Porém, essa mudança, ainda não está totalmente fundamentada a ponto de trazer segurança jurídica.
Que venham os próximos capítulos!